sábado, 19 de agosto de 2017

Continuum

Enquanto a maré avançava, os copos estavam cheios de cerveja outra vez, o barulho dos outros jovens jogando sinuca se perdia ao som da brisa do mar, a mesa para dois, as vestes inapropriadas para um barzinho na praia, o ignorar de possíveis comentários, o conforto de estar um ao lado do outro bastava. Entre a troca de olhares e a conversa calorosa, a TV de plasma mostrava um time a perder o jogo aos quarenta e cinco do segundo tempo. Naquela noite, o segundo encontro adiado e mais esperado, falávamos sobre Bauman e as reflexões que tínhamos sobre alguns livros do mesmo autor. Foi exatamente neste dia que percebemos o quanto fomos tardios. Beijávamos-nos com entrega jamais vista, como quem tivesse o último dia de vida, a ação que faríamos se exatamente fosse.

Vambora

A canção que tocava enquanto entrávamos ludibriados nos quartos, sempre no início dos encontros já agora sagrados, nunca destoava os sons de nossas risadas que nos fazia recordar também momentos fragmentados, despertando o nosso lado humorístico presente nos intervalos das extensas entregas febris. E nós,  sem intenções de criar um mundo único, personagens fantásticos, situações que intensificam o encanto, ações que conduzem as paixões, não nos envolviam ao modo convencional. E como o vento sopra, fluíamos. A leveza no peito, as respostas imediatadas ao toque, a inquietação ainda não surgida, tudo permanecia ávido.

A Urgência de nunca ter dito mas sentido em todos os encontros, talvez tenha sido a maior prova de que não é necessário ser tudo declarado. E diante da pouca luz, dos corpos contraídos e já somados as respirações ofegantes, surgiam sorrisos e olhares afetuosos. Elogios simultâneos, a modéstia e a contemplação do que éramos em satisfação.

E num descuido de verão,  às seis da tarde, as avenidas tomadas de carros, sons se confundiam outra vez através da janela do meu quarto. A leitura de um livro foi interrompida naquele momento, entre o silêncio do ambiente e o barulho lá fora, nenhuma dúvida. O amor chegou. O distrair nos momentos de imenso foco, o aceitar de que não era apenas a emoção ali a falar ao ouvido. A sensação de que as comportas de uma usina  não iriam conter a imensidão das águas, foi a mesma sensação ao vê-lo pela décima nona vez. Quando ele parou em frente a minha casa, observando o meu aproximar em um macacão jeans e uma blusa branca curta. Os seus braços a sinalizar a vontade de um abraço, a demora daquele momento denunciava o que eu ainda tentava insistentemente esconder, alguns elogios agora pareciam intimidar, o  coração disparando, a boca pronunciando uma frase que transfigurava um outro sentimento maior, bem equivalente.

Eu adoro você!

Ter e reconhecer. O medo que qualquer outro acometido pelo amor sente ao descobrir o que está ali, evidente. As incertezas que conosco carregamos, frutos de várias outras experiências próximas e nossas. O campo que nos leva ao eterno afeto de amar e odiar. E que a venda se coloca sem permissões, pois é dada a sentença que restringe as confissões dos defeitos alheios. Negamos e afirmamos o que nos convém, doar-se e doer-se.

No vigésimo encontro, no sétimo mês, do segundo ano. Declarados. Afundados. O "Eu Amo Você" traduzidos em duas línguas. O estacionar de poucos segundos, as interpretações sobre o que é o AMOR, a confusão equivalente à aflição que chega para dois. A compreensão que talvez não permanece em um.  E a soma de algumas madrugadas de insonia, um carro batido, um travesseiro encharcado de lágrimas, um porre medíocre, fotografias e vídeos  vistos e revistos, um ombro amigo, decisões incoerentes, o encarar dos fatos.  O amanhã desconhecido e incerto. A falta de nada para odiar. A ânsia de continuar amando.

O relógio anuncia a hora exata. Tudo acontece como num jogo de futebol, como numa partida de sinuca, como no avanço da maré, como no encher e no esvaziar dos copos de bebida, como nas músicas escolhidas e as gargalhadas em momentos ímpares, entre um intervalo das cores néon do semáforo, como a sensação de pertencer e não merecer. Como eu e você.

- Como eu amo você!
- Pra onde você vai? Você Volta? Eu amo você. Eu sentirei a sua falta!